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Dra. Gicelli Paixão

O Estado deve arcar com os prejuízos das empresas por causa do Covid-19?


O primeiro ponto que merece atenção diz respeito à aplicação medida provisória n. 927 e está ligado a faculdade das empresas adotarem as medidas trabalhistas para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública.


Isso significa que, não são medidas obrigatórias.


O segundo ponto que merece destaque é a finalidade das medidas trazidas pela Medida Provisória em comento, relacionada à preservação dos empregos e da renda.


As medidas advindas com a Medida Provisória serão aplicáveis apenas durante o estado de calamidade pública.


Por calamidade pública devemos entender:


“são males notórios que atingem um país, uma região ou um grupo numeroso de pessoas, causando perturbações profundas na coletividade e criando situações excepcionais em que as necessidades humanas alcançam, inesperadamente, um elevado grau, está-se a ver que elas sempre exigem providências enérgicas, eficientes e imediatas dos poderes públicos[i]”.


Logo, diante desse conceito o enorme impacto trazido pela pandemia do coronavírus (covid-19) enquadra-se como estado de calamidade pública.


O estado de calamidade pública surtirá efeitos até 31 de dezembro de 2020, isso significa que até a referida data perdurarão seus efeitos.


Além disso, a respectiva medida provisória estabelece que para os fins do Art. 501 da CLT o motivo de força maior.


Dispõe o Art. 501 da CLT que:


Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.

§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.


A força maior para o direito do trabalho abrange o caso fortuito, que é aquele imprevisto ou imprevisível e a força maior em sentido restrito, isto é previsível ou previsto. Em ambos os casos são superiores as forças de quem suporta seus efeitos.


Nesse caso, se a força maior acarretar a extinção da empresa e dos postos de trabalho, aos empregados demitidos resta o direito, se sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; não estável a metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; e se tratando de contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.


O Código Civil, no art. 393, acolhe o princípio da inimputabilidade e exonera o devedor da responsabilidade pelos prejuízos quando estes resultam de caso fortuito ou de força maior. Nesse mesmo sentido caminha a legislação consolidada. Na verdade, ambos os diplomas distinguem-se, apenas, nos seus efeitos. A primeira desobriga o devedor da prestação contratual; a segunda manda pagar ao empregado metade da indenização prevista em lei[ii].


Nada obstante, salutar pontuar que se a atividade impossibilitada por lei ou por ato governamental, como ocorre em diversos Estados do Brasil, como é o caso de São Paulo, no Decreto nº 64.881, de 22/3/2020, deve-se aplicar o disposto no Art. 486 da CLT:


Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)

§ 1º - Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria. (Incluído pelo Decreto-lei nº 6.110, de 16.12.1943)


As empresas estão impedidas de desempenhar suas atividades por ato do Estado. Notadamente, a paralisação do trabalho por ato de autoridade é o factum principis, espécie de força maior.


O fato do príncipe trata-se de medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente ao contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado[iii].


Com efeito, não se trata de ato da autoridade motivado por comportamento ilícito ou irregular da empresa, de modo que, não lhe são justas as sanções impostas. De outra sorte, embora a cessação da atividade seja um risco do empreendimento, tem-se que, na hipótese vivenciada em decorrência da suspensão das atividades por Decreto e seu fatídico fechamento, não se dá em função exclusiva do risco do empreendimento.


A única questão que pesaria, nesse caso está ligada a longa duração dos processos judiciais contra a Fazenda Pública[iv].


Imperioso pontuar, obviamente, sem pretender esvaziar o tema que, a situação vivenciada poderia ter sido minimizada, senão evitada, já que todo o Poder Executivo estava ciente da gravidade da questão imposta, quando no cenário internacional assistiam o avanço do vírus permitiram a entrada de milhões de turistas no Brasil, no carnaval, por exemplo.


Isso sem contar que, antes mesmo da pandemia se instaurar foi aprovada a Lei n. 13.979 de 06 de fevereiro de 2020, para regulamentar a situação, não sendo necessário largo conhecimento para saber que a tramitação de uma lei não se dá do dia para noite, o que prova concretamente que o Estado tinha noção da situação que imporia a todas as empresas do país.


Logo, por essas e outras razões, tem-se a possibilidade de imposição de responsabilidade do Estado ao pagamento da multa do FGTS, nas dispensas decorrentes de força maior que tenham sido provenientes de fechamento de empresa ou filial.


[i] Carlos Medeiros Silva. Consultor Geral da República. parecer publicado no D. O. de 15-5-1953. ps. 8926-8928.

[ii] Saad, Eduardo Gabriel, 1915 — Consolidação das Leis do Trabalho comentada / Eduardo Gabriel Saad. — 37. ed. atual. e rev. por José Eduardo Duarte Saad, Ana Maria Saad Castello Branco. —- São Paulo : LTr, 2004.

[iii] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: 2013.

[iv] CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 43 ed.

Atualizada por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2019.

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