Posso contratar freelance para o meu negócio?
Cuida o presente de expediente de consulta acerca dos impactos trabalhistas na contratação de mão de obra de operários free lancer.
À guisa de regulamentação, adota-se como fundamentos legais os artigos 2º, 3º e 818 da Consolidação das Normas Trabalhistas, Lei 8.212/91 e a jurisprudência.
O termo freelancer, vem do inglês e significa trabalhador autônomo (MICHAELIS, 2009). É expressão antiga, advinda do período medieval e desde essa época já exprimia a verdadeira caraterística de tal oficio, a liberalidade e autonomia no desempenho da atividade, já que o lanceiro-livre era cavaleiro medieval mercenário que se colocavam a serviço dos nobres que lhes pagassem mais para guerrear.
Logo, de pronto, verifica-se que a autonomia é o requisito fundamental deste tipo de labor.
O trabalho autônomo é aquele realizado por conta própria, assumindo os riscos do negócio e independente de regras a serem fixadas pelo tomador dos serviços, valendo-se o prestador de sua própria organização de trabalho, sem qualquer subordinação hierárquica ou jurídica, nem engajamento à estrutura interna da empresa. Pois desenvolve com discricionariedade, iniciativa e organização próprias, escolhendo o lugar, o modo, o tempo e a forma de execução dos serviços. (LEITE, 2014).
Desse modo, havendo algum tipo de controle no exercício da atividade de modo a retirar-lhe a autonomia, haverá a configuração de vínculo de emprego e consequentemente o dever de realizar o pagamento de todas as verbas e consectários decorrentes desse liame empregatício.
Os artigos 2º e 3º do diploma consolidado trazem a lume os requisitos caracterizadores das figuras do empregador e do empregado:
“Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Desses dispositivos legais se extrai serem os elementos fático e jurídicos necessários à caracterização do vínculo de emprego os seguintes: (i) trabalho prestado por pessoa física, (ii) com pessoalidade (relação intuitu personae), (iii) subordinação jurídica, (iv) onerosidade e (v) não eventualidade.
Notadamente, ocorrendo a ausência de um dos requisitos supra mencionados, não restará configurado o liame de emprego. Nesse sentido, explica o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho MAURICIO GODINHO DELGADO (DELGADO, 2014):
“De fato, a relação empregatícia, enquanto fenômeno sócio jurídico, resulta da síntese de um diversificado conjunto de fatores (ou elementos) reunidos em um dado contexto social ou interpessoal. Desse modo, o fenômeno sócio jurídico da relação de emprego deriva da conjugação de certos elementos inarredáveis (elementos fático-jurídicos), sem os quais não se configura a mencionada relação. (…)
O primeiro elemento fático (requisito) é a prestação de trabalho por pessoa física. O direito social ampara apenas o trabalho humano pessoal; os serviços prestados por pessoa jurídica não podem ser objeto de contrato de trabalho (CARRION, 2014).
Note-se que o título VI da legislação consolidada tem como temática elementar o contrato individual de trabalho, trazendo a sirga a obrigatoriedade de celebração com individuo, ou seja, pessoa física.
O segundo elemento é o desenvolvimento da relação jurídica de forma personalíssima (intuitu personae). Na relação de emprego, o trabalhador é infungível. Portanto, está ínsito no pacto firmado entre as partes que o empregador não permitirá que os serviços postos sob a responsabilidade de seu trabalhador sejam acometidos a pessoa diversa. É obvio que, em dadas circunstâncias, o trabalho pode ser realizado por outro empregado, sem efeitos na vigência do contrato daquele, como ocorre nos afastamentos legais (férias, licenças, etc.), durante os quais o contrato se encontra suspenso ou interrompido.
Relevante destacar que esse requisito somente é aplicável ao empregado. Eventuais mudanças na composição do quadro societário da empresa deixam intactos os contratos de seus empregados, conforme dispõe o art. 448 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O terceiro elemento essencial à caracterização da relação empregatícia é a não eventualidade, terminologia empregada pelo legislador na Consolidação das Leis do Trabalho. A Lei nº 5.859/72 (Lei do Trabalho Doméstico) se vale do vocábulo “contínua” para definir o mesmo conceito. Portanto, pode-se definir como continuidade de trabalho, que não pode ser eventual ou esporádico, ou seja, um trabalho que apresente a permanência e a habitualidade como características.
A eventualidade não é o mesmo que intermitência, isto é, não é necessário que se trabalhe todos os dias da semana ou todas as semanas do mês, haja vista que há contratos cujas peculiaridades não demandam do empregado o trabalho contínuo, ininterrupto.
Um quesito de relevância para se verificar a eventualidade do trabalho desenvolvido é a pluralidade de tomadores. Tratando-se de mero indicio da ausência de liame, mas não prova, pois não impede que se configure a relação de emprego, afinal de contas uma mesma pessoa pode ter mais de um emprego. Já que a exclusividade não é condição para reconhecimento de relação de emprego (CARRION, 2015).
O quarto elemento fático-jurídico é a onerosidade, à qual a CLT se refere com o vernáculo “mediante salário”. Importante destacar que a onerosidade deve ser encarada pela perspectiva do empregador, pois todo trabalho é oneroso para o trabalhador (prestador), não o sendo, porém, necessariamente, para o tomador. O contrato de emprego pressupõe o pagamento de uma remuneração ao empregado pelos trabalhos ofertados, podendo ser por unidade de tempo, obra ou misto (CARRION, 2015).
O quinto e último pressuposto da relação empregatícia é a subordinação. Acerca dessa temática, assevera DELGADO que:
“Não obstante a relação de emprego resulte da síntese indissolúvel dos cinco elementos fático-jurídicos que a compõem, será a subordinação, entre todos esses elementos, o que ganha maior proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia.” (op. cit., p. 290).
A legislação trabalhista utiliza o vocábulo dependência, que nada mais é que a subordinação, que deve ser interpretada como o dever do empregado de acolher as ordens emitidas pelo seu empregador.
O empregado é contratado para atender demanda do seu empregador e para tanto, deve se submeter aos critérios e diretrizes de trabalho e desempenho de atividades conforme lhe for determinado.
A imposição de horários de entrada de saída, a determinação das atividades, o estabelecimento de metas, de metodologia de trabalho e desempenho derivam do poder de mando do empregador, conferido por lei e são inerentes da subordinação.
Pode a subordinação ser do tipo objetivo, em face da realização, pelo trabalhador, dos objetivos sociais da empresa. Ou pode ser simplesmente do tipo estrutural, harmonizando-se o obreiro à organização, dinâmica e cultura do empreendimento que lhe capta os serviços. Presente qualquer das dimensões da subordinação (subjetiva, objetiva ou estrutural), considera-se configurado esse elemento fático-jurídico da relação de emprego. (TST - RR: 20310920125020384, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 16/09/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/09/2015).
Ensina Carrrion que a subordinação é o principal elemento de distinção entre o trabalho autônomo e o celetista (CARRION, 2015). O trabalho autônomo não está inserido no círculo diretivo e disciplinar de uma organização empresarial, contudo sua demonstração reside numa linha tênue, que pode ou não restar configurada, isto é, depende de caso a caso.
Nos termos do artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Todavia, conforme jurisprudência sedimentada em nossos tribunais laborais, ao admitir a empresa a prestação de serviços, passa a ser ônus processual exclusivo dela comprovar que a relação havida não foi de emprego.
Nesse contexto, válido citar precedentes que acolhem e que rejeitam o reconhecimento de vínculo de emprego entre free lancer com a empresa tomadora.
O primeiro case retrata o não reconhecimento do liame empregatício porque não comprovada a continuidade dos trabalhos prestados, ou seja, ausência da não eventualidade, demonstrada pela existência de outros tomadores de serviços, bem como dada ausência de subordinação, já que atuava e recebia por projeto restando afastado seu engajamento contínuo aos fins econômicos permanentes da empresa.
Veja:
Processo: RO 00002372420155020391 SP 00002372420155020391 A28
Relator (a): RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS
Julgamento: 06/10/2015
Órgão Julgador: 4ª TURMA
Publicação: 16/10/2015
FREE LANCER. TRABALHO AUTÔNOMO SEM CONTINUIDADE OU SUBORDINAÇÃO. VÍNCULO NÃO RECONHECIDO.
In casu, operou-se a inversão do ônus da prova, admitido o trabalho sob forma de serviços autônomos e não subordinados, a teor do art. 333, II, do CPC, competia à reclamada comprovar os fatos modificativos e impeditivos alegados em contestação, encargo do qual se desincumbiu satisfatoriamente. E a prova oral não abona a tese do recorrente. A testemunha da reclamada, Sr. Junio (fl. 69), arquiteto na reclamada, confirmou os termos da defesa, ao declarar que o autor realizou alguns projetos para a empresa, bem como prestava esse tipo de serviço para outras pessoas. E os documentos encartados à defesa confirmam que o demandante recebia por projeto, se e quando atuava, restando afastado seu engajamento contínuo aos fins econômicos permanentes da ré, bem como a subordinação jurídica a esta. A testemunha do reclamante (fl. 69) procurou confirmar os termos da exordial, mas seu depoimento é frágil e contraditório, eis que trabalhou com o autor em apenas um mês, afirmando que este trabalhava na parte de engenharia, fazendo projetos e medições, ao passo que o próprio demandante relatou na exordial que foi admitido pela reclamada em fevereiro de 2014, para exercer as funções de vendedor, e que somente em abril de 2014 passou a laborar como arquiteto, período em que essa testemunha já não mais trabalhava para a demandada. Os documentos encartados à exordial, mormente os e-mails somente retratam a vida comercial da empresa, e o fato de o autor estar inserido no e-mail corporativo desta, por si só, não se traduz em subordinação jurídica, já que outros elementos de prova vieram ratificar a ausência dos elementos ensejadores do liame empregatício, e que na prática, o autor atuava como "freelancer". Restando ausentes os requisitos da vinculação empregatícia, contidos nos artigos2º e 3º consolidados, o pedido segue improcedente, devendo ser prestigiada a decisão primária. (http://aplicacoes1.trtsp.jus.br/vdoc/TrtApp.action?viewPdf=&id=4371975)
Em contrapartida, no segundo caso houve a configuração do vínculo de emprego, pois em pese a alegação de ausência de habitualidade e subordinação, restou comprovado que a presença de todos os requisitos caracterizadores do liame empregatício, mesmo tratando-se de trabalho remoto, pois inseria-se ao fim econômico da tomadora de serviços.
Veja:
Processo: RO 00010412020125010069 RJ
Relator(a): Evandro Pereira Valadao Lopes
Julgamento: 27/05/2014
Órgão Julgador: Quinta Turma
Publicação: 04/06/2014
VÍNCULO DE EMPREGO. EXISTÊNCIA. EDITORA "FREE LANCER". ATIVIDADE FIM RECLAMADA. TRABALHO REMOTO. IRRELEVÂNCIA. 1. Existe vínculo de emprego na hipótese de trabalhador que labore com pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade, no desempenho da atribuição que se insere na atividade fim empregador. 2. Irrelevante o fato do empregador não exigir o comparecimento diário do trabalhador no local de trabalho, porquanto o trabalho remoto não afasta a subordinação inerente ao vínculo de emprego, uma vez que "não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego" (art. 6o da CLT). (http://www.trt9.jus.br/internet_base/arquivo_download.do?evento=Baixar&idArquivoAnexadoPlc=4420366).
Portanto, necessário pontuar que ambos os casos tratam de mão de obra free lancer, todavia, o modo e o fim da prestação de serviços são determinantes a configuração ou não do liame empregatício.
Para encerrar, importante salientar que como trata-se de profissão sem regulamentação, se faz necessário, por analogia, o cumprimento de formalidades legais, tais como emissão de notas fiscais ou recibo de pagamento autônomo (RPA) em conformidade a Lei 8.212/91. Além disso, é necessário que o profissional seja legalizado, isto é, tenha seu próprio CNPJ, com local definido como de sua prestação de serviços, ou seja um domicilio empresarial.
Conclusão
O trabalho free lancer propriamente dito deve ser de natureza autônoma, não pode estar envolvido com a atividade finalística ou estrutural da empresa tomadora, devendo ser realizado de modo livre e por conta e risco apenas do seu desenvolvedor, competindo ao tomador tão somente o pagamento pelo serviço realizado por prestador de serviços devidamente legalizado.
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