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RISCOS PSICOSSOCIAIS NO TRABALHO: ENTRE A LÓGICA PRODUTIVISTA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA



Resumo:

Este artigo analisa a institucionalização dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho contemporâneo, especialmente em razão da imposição de metas e do modelo de gestão por resultados. O estudo parte da teoria da responsabilidade objetiva e da dignidade da pessoa humana como fundamentos jurídicos para a proteção à saúde mental do trabalhador, abordando a jurisprudência recente sobre o tema, especialmente a Ação Civil Pública contra o Banco Santander. Conclui-se pela necessidade de repensar os paradigmas organizacionais à luz do ordenamento constitucional brasileiro e das convenções internacionais da OIT.


Palavras-chave: Riscos psicossociais; metas abusivas; responsabilidade objetiva; saúde mental; dignidade do trabalhador.


1. Introdução


A saúde mental do trabalhador tem se tornado objeto de crescente atenção no campo juslaboral, especialmente diante da ascensão de modelos organizacionais que priorizam a performance a qualquer custo. A cobrança de metas excessivas, os sistemas de ranking, o assédio institucional e a pressão por resultados têm institucionalizado riscos psicossociais que comprometem a dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88).


Neste contexto, o presente artigo busca analisar os limites jurídicos à gestão produtivista e os mecanismos legais de proteção à saúde psíquica do trabalhador, com base na teoria da responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco criado.


2. Fundamentos jurídicos da proteção à saúde psíquica


O ordenamento jurídico brasileiro consagra o meio ambiente do trabalho como direito fundamental (art. 225, caput, CF), incumbindo ao Poder Público e à coletividade a preservação das condições laborais. No mesmo sentido, o art. 200, VIII da CF/88, atribui ao SUS a função de colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho.


A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 223-C, tipifica os danos extrapatrimoniais decorrentes da violação à integridade psíquica do trabalhador. Complementarmente, as Normas Regulamentadoras NR-07 e NR-17 exigem a avaliação dos riscos psicossociais e a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas do empregado.


Ademais, a Convenção nº 155 da OIT amplia o conceito de “saúde” no ambiente laboral, incluindo o bem-estar físico e mental, enquanto a Convenção nº 161 prevê a necessidade de serviços de saúde ocupacional que promovam o equilíbrio psíquico dos empregados.


3. A responsabilidade objetiva nas relações de trabalho


A aplicação da teoria do risco, nos moldes propostos por Sergio Cavalieri e Rodrigo Dumans França, encontra respaldo no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, segundo o qual a obrigação de indenizar independe de culpa nos casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem.


No ambiente corporativo, práticas reiteradas de cobrança abusiva, metas inalcançáveis e omissão no tratamento da saúde mental do empregado revelam um ambiente de risco criado, cuja responsabilidade é objetiva, mesmo na ausência de dolo ou culpa direta por parte do empregador.


4. Estudo de caso: a ACP contra o Santander


O processo nº 0011451-11.2020.5.15.0153, em trâmite na 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP, apresenta-se como um dos precedentes mais relevantes no reconhecimento dos riscos psicossociais. A ação, movida pelo Ministério Público do Trabalho, denunciou a política de metas abusivas e o chamado “super ranking”, culminando em condenação do banco ao pagamento de R$ 1.500.000,00 por dano moral coletivo, além de obrigações de fazer relacionadas à emissão de ASO com inclusão de riscos psicossociais.


A sentença referenciou, além da legislação nacional, as convenções da OIT e normas regulamentadoras que tratam da ergonomia e saúde ocupacional, estabelecendo um marco na judicialização da saúde mental como tema de interesse coletivo.


5. Considerações finais


A lógica gerencialista produtivista, ao ignorar a subjetividade do trabalhador, viola sua dignidade e compromete sua saúde física e mental. A responsabilização jurídica dos empregadores que expõem seus empregados a riscos psicossociais constitui instrumento legítimo de contenção dos abusos patronais e de afirmação dos direitos fundamentais no ambiente de trabalho.


Defende-se, assim, a valorização das perícias multidisciplinares, o fortalecimento das ações coletivas e a necessidade de formulação de políticas empresariais que coloquem a saúde e bem-estar dos trabalhadores como prioridade.


Referências


BOURDIEU, Pierre. *A dominação masculina*. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

BRASIL. *Constituição da República Federativa do Brasil de 1988*.

BRASIL. *Consolidação das Leis do Trabalho* – CLT.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. *Programa de Responsabilidade Civil*. São Paulo: Atlas, 2020.

DEJOURS, Christophe. *A loucura do trabalho*. São Paulo: Cortez, 2015.

FRANÇA, Rodrigo Dumans. *A teoria do risco aplicada à responsabilidade objetiva*. USP, 2009.

OIT. *Convenções nº 148, 155 e 161*.

Processo nº 0011451-11.2020.5.15.0153, 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP.

 
 
 

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